domingo, 11 de fevereiro de 2007

Biodiesel não é óleo vegetal


“Produtores brasileiros revelam que misturam até 50% de óleo vegetal puro ao diesel, durante as colheitas de soja e milho. Fabricantes de motores apontam as conseqüências e alertam os usuários”

No início de fevereiro passado, a oficina Planalto Tratores, concessionária Valtra situada em Itumbiara (GO),recebeu mais um veículo para reparação. Seria um trabalho de rotina se não fosse o motivo da ocorrência: a perda do motor devido ao uso de combustível inadequado. Ao invés de óleo diesel, o proprietário havia abastecido o veículo com mistura de óleo de soja, aquele mesmo, comestível, vendido em supermercados.

Ele conversou com a reportagem da Revista AgriMotor, mas preferiu não dar detalhes. Sabe-se, no entanto, que o trator é semi-novo (fabricado em 2003) e operou cerca de 370 horas antes de “travar”. O veículo ficou oito dias parado, e o serviço custou R$ 3.500,00.

Bem próximo de Itumbiara, ou a milhares de quilômetros de distância, a tendência se repete: outros produtores, que ainda não enfrentaram problemas mecânicos, continuam utilizando óleo de soja no tanque de combustível. Muitos ainda comemoram a redução de investimentos. “Durante 20 dias fiz a mistura de 30% e 50% de óleo vegetal em tratores Valmet e colhedoras New Holland, ambos médio porte, para colher 55 hectares de soja e milho. Economizei entre 25% e 30%, representando, em dinheiro, cerca de R$ 2 mil”, revela Aparecido Bandoc, de Marialva (PR). Outro produtor, de Maringá (PR), que prefere não ser identificado, disse que misturou 20% de óleo de soja (200 litros), no período de 30 dias, ao diesel em todas as máquinas e veículos de transporte de cargas, de médio porte.

Fonte: MB do Brasil

Engana-se, porém, quem pensar que as ocorrências até aqui citadas são ações isoladas ou regionalizadas. Na verdade, ninguém diz quem fez a “descoberta”. Mas o fato é que a prática foi disseminada e passou a ser um comportamento coletivo, principalmente nas regiões sul e centro-oeste. E tende a continuar. “Na próxima colheita, que ocorrerá em julho, eu pretendo repetir essa experiência”, informa Aparecido Bandoc. Tanto ele quanto os demais entrevistados afirmam que o desempenho das máquinas foi “normal”.

Existem mais de uma razão para os produtores alterarem o combustível, mas todas partem de um mesmo princípio: falta de informação. A primeira justificativa é a economia de dinheiro. Eles compram o óleo de soja ao preço médio de R$ 1,25, contra R$ 1,70 do diesel. Como acreditam que tudo funciona “normalmente”, entendem que reduzem os gastos em 45 centavos por litro. Esse valor, multiplicado pela quantidade de litros para toda a frota, pode significar muito para quem trabalha com pouca rentabilidade ou até no prejuízo devido à queda de preço de seus produtos no mercado, dentre outros problemas.

Mas, economizar com essa atitude pode ser um tiro no próprio pé. Os problemas que essa adulteração pode provocar não são poucos, e as conseqüências, também diversas. A segunda justificativa decorre da falta de uma comunicação eficiente. “Utilizei com esperança no que vem a ser o biodiesel”, respondeu o produtor Leandro (nome fictício). Ou seja, esse produtor não sabia que o óleo de soja, para ser transformado em biodiesel passa por um processo químico

Pelo seu entendimento, ele mesmo poderia fazer a mistura! Nesse caso é uma percepção distorcida da realidade, cabe ao governo, entidades setoriais, classistas e a própria imprensa esclarecerem mais sobre o biodiesel.

Conseqüências

Os fabricantes de motores ficaram surpresos quando questionados a falar sobre a utilização de óleo vegetal como combustível. Para não demostrarem total desconhecimento, alguns quiseram atribuir essa informação a boatos ou casos isolados, enquanto outros até falaram que se tratava do programa de biodiesel. Mas todos concordaram que as conseqüências para o veículo podem ser graves!
(...)

Segundo Marcos D´Agostini, engenheiro supervisor de desenvolvimento de projetos da MWM International, o uso de óleo vegetal puro nos motores provoca resíduos de carvão.

“Uma vez alojado, atinge os componentes, risca peças móveis e, por conseqüência, vai para o cárter se misturar ao óleo lubrificante com diesel. Os efeitos, adicionando mais de 5%, são lentos; se adicionado 50% de óleo in natura são mais rápidos”, resume.

Os fabricantes alertam que há como o produtor perceber quando o motor apresenta problemas com esta mistura. Basta observar o óleo lubrificante da máquina ou do implemento após muitas horas de uso no campo. Ele fica mais escuro, carregado e espesso. De acordo com os entrevistados, o óleo vegetal é uma cadeia “molecular” muito pesada e de difícil queima, caso não seja processado antes. “Adicionado ao diesel aumenta a viscosidade e os limites de pressão no sistema de injeção. O lubrificante tem que ser trocado com mais freqüência.

Do contrário, obriga a remoção do cárter para retirada do óleo que foi se instalando no motor”, detalha o engenheiro. Entretanto, muitos produtores que realizam esta adulteração desconhecem que, ao utilizar o combustível fora das especificações adequadas, provoca o aumento dos gases de exaustão -emissão de óxidos de nitrogênio (NOx) -ocasionado perda de eficiência e aumento de consumo. “Uma vez o NOx em níveis pelo menos 10% mais alto, o motor poderá perder entre 8% a 10% em performance e consumir 8% a mais de combustível”, explica Paulo César Trigor, gerente de vendas da Perkins América do Sul.

Questionado sobre as razões pelas quais os usuários afirmam que adicionar óleo vegetal ao diesel permitiu que o desempenho das máquinas não fosse alterado,César Trigor esclareceu que a impressão é “mascarada”. “O produtor não leva em conta a performance da máquina porque não mede o seu rendimento. O consumo aparentemente menor passa a ser maior, quando a máquina perde a potência. Raramente é possível consumir 100% da potência durante 100% do tempo em atividade”. E vai além:“tecnicamente não é possível sentir o comportamento do motor se não utilizar todo o recurso da máquina”.

De acordo Luis Pasquotto, diretor de Marketing, Vendas e Engenharia da Cummins Latin América, os motores atendem as normas americana (ASTM 67510) e européia (EM – 14214). “No momento em que são desenvolvidos podem sofrer adaptações e serem ajustados ao combustível do país a que se destina. A expectativa é que tenha durabilidade por mais de 60 anos. (...)”.


Experiências x Resultados

O Centro APTA de Engenheria e Automação/IA instalou o motor MWM D229 3 cilindros e 62 cv injeção direta em um trator Valmet 68 (ano 83). Durante os testes, realizados em março de 2004, foi adicionado 100% de óleo vegetal de girassol. “Previa-se avaliação de 200 horas para o teste, mas teve que ser interrompido com cerca de 60 horas, devido ao superaquecimento do óleo no cárter e pequenas batidas no motor”, comenta os pesquisadores Ila Maria Corrêa e JoséValdemar Gonzáles Maziero.“No desempenho comparativo com óleo diesel, foram comprovados queda de 7,8% em média na potência na TDP (kW) e aumento de 15,5% em média no consumo de combustível (g/kW.h), resultando em uma experiência negativa que não permite endossar o uso indiscriminado de óleo puro ou misturado ao óleo diesel”, resume Ila. Ela recomenda “muita cautela pois, cedo ou tarde, os problemas podem acontecer”.

Portanto, a idéia de utilizar óleo de soja no tanque de combustível tem de ser combatida. A economia de hoje pode significar um “desastre” financeiro amanhã. Seria mais uma catástrofe, dentre tantas que o produtor vem enfrentando nos últimos anos.

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